A sentinela
Once upon a time vindimei para os lados da Bourgogne. Há cada vez menos camponeses, até em França, e mesmo nas regiões agrícolas ricas, pelo que as vindimas são feitas com recurso a universitários em busca dum pé de meia para o início do ano escolar ou a viajantes de mochila às costas a precisar de fundos para completar o tour de France. Isto proporciona grupos curiosos, em que aos velhos agricultores curtidos pelo sol de muitas eiras se juntam bandos multinacionais de putos sempre em festa. No "meu" grupo havia vários australianos, neozelandeses, norte-americanos, suecos e alemães, dois portugueses (há sempre um português em todo o lado, lá dizia Oliveira de Figueira) e, claro, bastantes franceses. Entre os últimos, três rapazes de dezoito a vinte anos, descendentes de imigrantes magrebinos.
Andavam sempre juntos. O que nem seria de todo invulgar, muitas pessoas procuram no estrangeiro o que lhes é familiar, caso da maioria dos estudantes norte-americanos, por exemplo, que se relacionava preferencialmente entre si ou com a fast food mais próxima. Mas a trindade era formação cerrada e não estava no estrangeiro: tratava-se de jovens franceses, por nascimento e escolaridade, que nunca haviam posto pé nas aldeias tunisinas dos seus antepassados e, mesmo assim, num cenário de descontracção e jovialidade, precisavam de cobertura.
Para além de se deslocarem em estilo siamês, tinham também reacções a três vozes: um misto de insolência néscia com frontal cobardia em relação a figuras de autoridade, uma ambígua relação de admiração (camuflada) e desafio (à distância) em relação aos que viam como machos alfa do grupo, um fascínio lascivo pelas putaines, que eram todas as mulheres, obviamente. Em suma, três tipos muito cansativos e tão desinteressantes que os tinha esquecido.
Até agora, que os subúrbios começaram a arder. E vem-me à memória o mais peculiar dos detalhes: apesar não interagirem com o mundo, os três rapazes iam a todas as festas, a todos os bares, a todas as farras. Onde se embriagavam estupidamente, como muitos adolescentes nas primeiras surtidas das peias familiares. No entanto, havia sempre um que não bebia. E não, não era o condutor designado, tudo ficava perto e se fazia a pé. Também não era sempre o mesmo, um qualquer abstémio militante: a sobriedade rodava entre eles. Ou seja, basicamente, tinham um vigia de turno. Coisa essencial em território inimigo.
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home